Cultura, diversidade e desenvolvimento humano. Qual é o nosso papel nisso tudo?

Cultura, diversidade e desenvolvimento humano. Qual é o nosso papel nisso tudo?

No texto de hoje vou falar sobre culturas, evolução delas e o desenvolvimento humano. Podemos dizer que as culturas tem por matéria-prima o comportamento humano. É o que as moldam. Por ter um motor tão fluido como o comportamento humano, a própria cultura é algo moldável, versátil, passível de evolução e até mesmo de extinção. Estudando um pouco de História percebemos como as práticas culturais foram se modificando e como apareciam zeitgeists (“espíritos das épocas”) que propunham e exigiam essas mudanças. Alguns exemplos são a Revolução Industrial, a Revolução Francesa e a Primavera dos Povos. No Brasil, temos a Inconfidência Mineira, a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República, entre outros.

Desse modo, pensemos um pouco sobre sobrevivência das culturas. Elas sobrevivem se tiverem um conjunto de práticas culturais que as mantenham vivas. E também é parte da sobrevivência a evolução dessas práticas, já que parar no tempo vai torná-las obsoletas em algum momento. Óbvio e ululante. Explica por que as culturas sobrevivem, mas não descreve o que temos que fazer. Assim, surge a pergunta: o que significa agir pelo bem da cultura, pela sobrevivência dela? E não aparecem respostas, mas mais perguntas: é manter o que já está sendo feito, devido à máxima “não se mexe em time que está ganhando”? Ou tem mais a ver com repensar as práticas e modelá-las para se adaptarem ao nosso tempo, ao nosso zeitgeist?

Basicamente, agir pela sobrevivência das culturas significa protegê-las de práticas letais, quaisquer que sejam os teores destas (exemplos: danos ambientais, guerras, doenças, práticas sociais, etc.).  Existem os bens pessoais (o que eu faço que é bom para mim), os bens dos outros (o que eu faço que é bom para os outros) e o bem da cultura (o que eu faço que é bom para os outros, mas os outros do futuro). A gente atribui valores – positivos ou negativos – a esses bens segundo as consequências do nosso comportamento e os sentimentos que os acompanham. Pensando nisso, como promover o bem da cultura acima dos bens pessoais e dos bens dos outros? E por que fazer isso?

Respondendo à primeira pergunta, é possível promover o bem da cultura se:

  1. comportamento expressado (separar lixo para reciclar, defender direitos humanos, consumir menos, e por aí vai) tiver consequências positivas (consequências reforçadoras para o comportamento) e que
  2.  gere sentimentos bons à pessoa que se comportou. Dessa maneira, ela consegue atribuir um juízo de valor também positivo à sua própria prática e tende a se comportar assim de novo. Possivelmente, até mesmo a influenciar os outros a fazerem coisas parecidas.

É um pouco mais complexo responder à segunda pergunta, porque devemos promover o bem da cultura ou sua sobrevivência para promover o bem das pessoas do futuro. Aqui não estamos pensando nem no nosso bem nem no dos outros especificamente, mas no bem de pessoas e de um mundo que nem viremos a conhecer.  Então, por que diabos eu devo me preocupar com isso, se é algo tão distante da minha vida? É complicado, gente. Bastante. Os cientistas do comportamento já nos mostraram o quanto somos suscetíveis ao reforçamento imediato e não nos importamos tanto se no futuro receberemos uma punição. Grande exemplo: o uso de tabaco ou álcool, além de outras substâncias psicoativas, geralmente proporcionam dois tipos de consequências:

  1. prazer e alívio imediatos
  2. uma série de doenças postergadas que não afetam a vida da pessoa no momento atual.

É comum que as pessoas continuem a fumar e a beber e a abusar de outras substâncias porque as consequências negativas desse comportamento estão temporalmente distantes. Por isso, é preciso solucionar esse problema do imediatismo, porque percebemos que ele tem um forte poder de reger o comportamento humano. Precisamos inventar práticas que tenham alguma consequência mais imediata somada à consequência futura para estimular a anuência das pessoas, ou então criar empecilhos ou consequências negativas, também imediatas, para práticas atuais que ameacem a sobrevivência da cultura. (Ao final do texto, você encontra o exemplo do tabagismo esquematizado!).

Cria-se a equação do sucesso de uma cultura:

controle de práticas prejudiciais + reforçamento das que são favoráveis aos indivíduos e às culturas

Fazemos uma cultura evoluir dessa maneira, selecionando possibilidades. Embora pareça complicado – e é!, essa ideia de se preocupar com a sobrevivência das pessoas do futuro também traz um ponto de vista moral, que sustenta uma possibilidade de conceito de justiça. Haveria o equilíbrio entre os bens pessoais (interesses privados) e os bens dos outros (interesses públicos), porque nenhum dos dois estaria em foco. Ninguém se sobrepõe, porque a ação de todos visa o futuro.

Agora, sobre desenvolvimento humano. Só é possível um desenvolvimento quando existe variabilidade. Logo, para gerar desenvolvimento humano, precisamos de uma diversidade de práticas culturais. Aqui entra a parte que eu acho a mais legal de tudo isso: se incentivarmos o desenvolvimento de diferenças (leia-se diversidade, pois não se busca segregação, mas sim pluralidade e respeito), estimularemos o desenvolvimento de uma política de identidades que vê nas diferenças o espaço de construção de identidades.

Um ponto importantíssimo que preciso levantar é que promover a sobrevivência de práticas culturais não é a mesma coisa que promover a sobrevivência da cultura em que se está inserido. E as pessoas confundem muito isso, gerando um tradicionalismo bobo. A tradição e a mudança devem ser pensadas, uma vez que nenhuma é inerentemente boa ou má. Ambas são instrumentos para manter a sobrevivência da cultura. A eficiência de uma cultura tem muito mais afinidade com modificação de práticas culturais de forma inteligente. Rebeldia sem causa não funciona. É necessário evitar, de um lado, o respeito excessivo pela tradição e o medo da novidade, e, por outro, mudanças excessivamente rápidas. Acredito que “a prática de repensar as práticas”, a fluidez, a modelação voltada ao tempo atual é fundamental para a sobrevivência e evolução culturais. E você, o que está fazendo para contribuir?

 

Artigos científicos de Análise do Comportamento que tratam da ética skinneriana e cultura:

Dittrich, Alexandre (2008). Sobrevivência ou colapso. B. F. Skinner, J. M. Diamond e o Destino das Culturas

Abib, José Antônio Damásio (2001). Teoria Moral de Skinner e Desenvolvimento Humano

 

ANEXOS:

Exemplo esquematizado de controle de prática prejudicial à cultura por meio da inserção de uma consequência negativa imediata (no sentido de punição de comportamento-alvo: fim do uso de tabaco).

1)   A situação como é:

tabagismo

2)   A inserção da consequência punitiva imediata:

imagem2

3)   Por fim, os bens pessoais, dos outros e da cultura:

bem da cultura

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